Essa decisão visa manter a ordem pública e ocorre em um contexto de tensões históricas relacionadas à demarcação de terras indígenas.
O Ministério da Justiça prorrogou a presença da Força Nacional de Segurança Pública nas regiões de fronteira e aldeias indígenas no Mato Grosso do Sul por mais 90 dias. A medida, divulgada no Diário Oficial da União, estende a atuação dos agentes até 18 de abril e tem como objetivo garantir a manutenção da ordem em uma área marcada por longas disputas territoriais e episódios recentes de violência.
Essa decisão evidencia a necessidade de intervenção constante na região, onde, em setembro de 2024, confrontos resultaram na morte de um jovem indígena da comunidade Nhanderu Marangatu, com apenas 23 anos, além de deixar outros dois gravemente feridos após confronto com a Polícia Militar. As tensões aumentadas pela longa luta pela demarcação das terras têm colocado em risco tanto as comunidades indígenas quanto os bens privados locais.
Segundo a portaria assinada pelo ministro Ricardo Lewandowski, a operação contará com o suporte da Polícia Federal e seguirá um planejamento articulado com os órgãos de segurança pública de Mato Grosso do Sul. A medida reafirma o compromisso do governo em mitigar conflitos e assegurar a segurança em um território onde a tensão entre indígenas e produtores rurais se mantém elevada.
Um histórico de disputas pela terra
A região em questão, localizada no município de Antônio João, é emblemática das disputas territoriais que atravessam o Brasil. Há mais de 40 anos, uma área de 9 mil hectares na fronteira com o Paraguai é alvo de embates judiciais e conflitos físicos entre indígenas e produtores rurais. Em 2024, a situação escalou após confrontos diretos, reacendendo o debate sobre a morosidade na demarcação de terras indígenas no país.
Em dezembro, um marco importante foi alcançado no Supremo Tribunal Federal (STF): uma audiência de conciliação resultou em um acordo para a demarcação da área. Pelo pacto, os governos federal e estadual concordaram em pagar R$ 146 milhões em indenizações por terras e benfeitorias a produtores rurais que ocupam a área. Estes terão até 15 dias para deixar as propriedades após receberem o valor, permitindo, finalmente, a devolução do território às comunidades indígenas.
Embora celebrado como um avanço, o acordo não elimina a sensação de insegurança na região. “A conciliação é um passo necessário, mas a presença da Força Nacional demonstra que os riscos de novos episódios violentos permanecem elevados”, afirmou o antropólogo e especialista em conflitos fundiários, João Pacheco de Oliveira, em entrevista ao jornal El País em 2023.
A persistência do conflito e a relevância da demarcação
O caso de Mato Grosso do Sul é representativo das lacunas históricas nas políticas de reconhecimento dos direitos indígenas no Brasil. De acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), há pelo menos 180 processos de demarcação pendentes no país, muitos deles paralisados por décadas. Essa estagnação contribui para uma dinâmica de confronto direto, em que tanto indígenas quanto produtores acabam sofrendo com a violência e a instabilidade jurídica.
Para as comunidades indígenas, o impacto vai além da perda territorial. A luta por terra é uma luta por sobrevivência, já que os territórios tradicionais estão intrinsecamente ligados à preservação cultural e às práticas de subsistência. No entanto, o discurso político em torno do tema frequentemente prioriza o agronegócio, intensificando os conflitos.
O antropólogo Eduardo Viveiros de Castro argumenta que “a questão indígena no Brasil nunca foi apenas uma disputa pela terra; é, acima de tudo, uma disputa por narrativas e pelo direito de existir enquanto povos autônomos”.
Desafios futuros
A prorrogação da presença da Força Nacional reflete um esforço do governo para conter a escalada de tensões, mas também evidencia as falhas estruturais em resolver a raiz dos conflitos. Sem a resolução definitiva das demarcações e uma política mais eficaz para garantir a segurança das comunidades indígenas, o ciclo de violência e incerteza tende a persistir.
Além disso, a articulação entre os governos federal e estadual será determinante para o sucesso do acordo firmado no STF. As indenizações precisam ser pagas no prazo acordado, e a retirada dos ocupantes deve ocorrer sem incidentes, sob pena de novos embates e contestação judicial.
Este episódio destaca a urgência de avanços concretos na política indigenista brasileira. Afinal, como lembrou a escritora e ativista indígena Ailton Krenak, “a terra não é só um pedaço de chão; é a nossa mãe, o nosso sustento e a nossa história”.
Com as atenções voltadas para Mato Grosso do Sul, o Brasil enfrenta, mais uma vez, o desafio de equilibrar interesses econômicos com o respeito aos direitos fundamentais e à justiça histórica para seus povos originários.