A decisão de descriminalização da maconha pelo STF começa a vigorar.
Nesta sexta-feira, 29, o Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou a ata da sessão que implementa a determinação de descriminalizar o porte de até 40 gramas de maconha no Brasil. Em resposta à nova regra e no contexto do embate entre os poderes Legislativo e Judiciário sobre o assunto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou que irá instaurar uma comissão especial para analisar a Proposta de Emenda à Constituição das Drogas, apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).
Segundo um advogado constitucional ouvido pelo Estadão, se a PEC for aprovada, o critério técnico estabelecido pelo STF será invalidado e o país voltará a não ter referências claras. No entanto, ainda será possível contestar a nova lei no próprio STF.
A decisão de descriminalização da maconha pelo STF não significa que a droga foi legalizada no Brasil, nem que haverá uma regulamentação para o comércio da planta ou das flores prontas para consumo. Essa decisão está alinhada com a Lei de Drogas, aprovada pelo Congresso em 2006, que já previa que o porte da substância não seria penalizado com prisão ou processo criminal. No entanto, essa legislação não estabelecia um critério técnico específico de quantidade para distinguir usuários de traficantes.
A PEC que corre no Congresso segue um caminho oposto e volta a criminalizar a posse e o porte de qualquer quantidade de drogas, incluindo a maconha.
Adefinição de uma comissão especial no Congresso e consequente aprovação da PEC das Drogas, como é conhecido o Projeto de Emenda Constitucional 45/2023, é uma demanda da bancada evangélica. A proposta, de autoria de Pacheco, foi aprovada no Senado e na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, mas precisará ser analisada nessa comissão específica, que deve contar com 34 deputados, antes de ser votada no plenário pelos parlamentares da Casa.
Lira disse, no entanto, que a PEC “está tendo a tramitação normal, independe do que ocorre em outro poder” e que não terá uma “votação apressada”.
O que está em jogo sobre o tema entre os Poderes são duas visões antagônicas, segundo o professor de Direito Constitucional da Universidade Presbiteriana Mackenzie e advogado do Fregni Advogados, Flavio de Leão Bastos.
“Uma entende que se o indivíduo usa até 40 gramas de maconha, essa é uma opção pessoal dele, ou seja, ele não é traficante, ele não está prejudicando os outros. Ele precisa, sim, ser esclarecido sobre os malefícios do uso, mas é uma decisão pessoal, que diz sobre a liberdade individual – considera o professor.
A outra visão, segundo ele, é mais conservadora, e usa o argumento de que essa liberação vai facilitar o uso de outras drogas, servindo como “porta de entrada”.
Caso o Congresso consiga aprovar a PEC das Drogas, a matéria segue direto para publicação, ou seja, não passa pelo crivo do presidente da República, que poderia, como é no caso de projetos de lei, vetar trechos ou mesmo toda a matéria.
Uma vez publicada, a PEC derrubaria o critério das 40 gramas aprovado pelo STF, e pessoas flagradas com qualquer quantidade, tanto de maconha como de outras substâncias, podem responder criminalmente – mesmo que a pena seja de medidas socioeducativas por até dez meses, como era a condenação prevista no Código Penal.
Caso isso ocorra, o STF ainda pode voltar a discutir o tema e até mesmo derrubar a PEC, desde que seja “provocado”.
– Ele não pode fazer isso de ofício, mas poderá declarar a norma inconstitucional em um processo, caso receba uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) – explica o professor.
Quem poderá ingressar com o questionamento no Supremo são os agentes previstos no artigo 103 da Constituição, como o presidente da República, a mesa diretora das duas Casas do Congresso ou de assembleias legislativas estaduais, governadores, o procurador-geral da República, além do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), qualquer partido político com representação no Congresso e confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
Ainda há a possibilidade de questionamento em casos individuais. Bastos explica que, caso uma pessoa seja presa por porte de maconha após a suposta aprovação e publicação da PEC, a defesa do acusado poderá entrar no Conselho Judiciário usando a norma do STF como precedente.
– Só que a decisão vai valer só para o caso dele. Já a ADI tem um efeito para toda a sociedade – diferencia o professor.
O exemplo se assemelha ao que ocorreu no caso do Marco Temporal, em que a lei foi aprovada pelo Congresso, em maio de 2023, mas, por ora, está com a vigência suspensa. Após o embate entre Executivo e Legislativo, com vetos e derrubada de vetos, o ministro do STF Gilmar Mendes, suspendeu todos os processos judiciais – em todas as instâncias do Judiciário – que tratem da Lei do Marco Temporal.
Com informações: AE